Porque (infelizmente) a paixão não morre nunca

Semana corrida, aniversário, muito trabalho e pouca vontade de escrever sobre a atual F1.
Mas paixão é paixão, tanto pelas letras quanto pelas corridas. Coloco hoje um outro texto mais velho, porém pertinente ao momento de GP da Hungria.
Um texto de quando as corridas eram decididas na raça e na coragem de homens honrados. E não nas decisões de zé-manés sentados no pitwall acatando ordens de CEO´s de patrocinadores e pressão de gente mau-caráter.


A Kind of Magic
O sol sempre escaldante do mês de agosto fustiga a cabeça do jovem Mika.
Sentado em uma arquibancada bem no fim da reta de largada, já quase dentro da curva ‘um’. Vai assistir o GP da Hungria de formula um acompanhado de seu indefectível walkman e uma fita cassete do último álbum do Queen: ‘A kind of magic’. Será o primeiro GP de fórmula um daquele país. A pista é estreita, as freadas não são fortes e a única reta do circuito - onde Mika está instalado - não é grande o suficiente para que um motor se sobressaia à outro pela força de seus cavalos. Poucos teriam coragem – ou loucura - suficiente para tentar, em condições normais, uma ultrapassagem. Mika, entediado, já ouviu a fita cassete inteira ao menos umas três vezes. Não se preocupa muito com a corrida. Não há ídolos locais neste esporte, e ainda por cima a primeira fila é formada por dois representantes de um longínquo país: O Brasil. Mika entende pouco, quase nada de Fórmula um, está ali por ser exatamente o primeiro grande prêmio em seu país e isto já garante que será histórico. Os personagens – para Mika – são: Um carro preto com piloto de capacete amarelo na pole position e um carro de bico azul com um “6” pintado nele na segunda posição do grid. Mika assiste a largada e vê o carro preto pular na ponta enquanto o de bico azul perde a posição para outro carro de bico azul, este, porém enfeitado com um “5” vermelho.. O “5” vermelho não resiste às estocadas do numero “6”, e poucas voltas depois perde a segunda posição e o que se segue é uma perseguição monstruosa ao carro preto com piloto de capacete amarelo. Mika procura em seu programa da corrida onde estão os nomes e os números dos carros e identifica: Preto, capacete amarelo: Senna. Amarelo com bico azul e numero “6” branco: Piquet. Amarelo com bico azul e numero “5” vermelho: Mansell. Estes três e mais um francês narigudo de nome Alain Prost que pilotava um carro pintado em vermelho e branco são - segundo o programa da corrida - os quatro maiores pilotos em atividade neste ano. E tudo indica que o título de 1986 não escapará a um deles. Mas voltando a corrida que já vai pela décima terceira volta, o carro numero “6” ultrapassa o carro preto e abre uma pequena vantagem. Não suficiente para que continue em primeiro depois da parada para troca de pneus que todos são obrigados a fazer.
Logo o carro do piloto de capacete amarelo volta à primeira posição tendo em seu encalço novamente o bico azul numero “6”. Já na volta cinqüenta e quatro, meio que sem querer Mika levanta a cabeça e olha para a pista. Vê o carro de bico azul numero “6” ultrapassando de forma forçada o carro preto. O piloto pega o traçado de dentro, entre o carro a ser ultrapassado e o muro. Ele - Mika - se levanta na arquibancada e prende a respiração por alguns instantes. O carro numero “6” ultrapassa o carro preto, mas não consegue fazer a curva de forma correta. Perde o ponto de tangência e, completamente desequilibrado, perde novamente a posição para o piloto de capacete amarelo. Dentro do carro de bico azul numero “6” o piloto pensa: “-Pqp! Ele deve estar rindo muito de mim agora. Arrisquei à toa. Não vai ficar assim!”. Já de dentro do carro preto o piloto que realmente ria diz para si mesmo: “Aqui não farroupilha! Que não nasci para ser ultrapassado sem lutar... Vem de novo se for homem!”. Mika do alto da arquibancada pensa: ”-São loucos estes homens!”. Duas voltas se seguem sem que o piloto do carro numero “6” tente passar. Mika já se sente frustrado.
O piloto de capacete amarelo já se sente confiante o bastante para achar que não será mais incomodado. Já o piloto do carro “6” já não pensa mais. Age. Na mesma reta, no mesmo ponto ele investe. Mas desta vez põe o carro no lugar menos provável: O lado de fora.
Encaixotando o piloto do carro preto entre ele e o muro. Mika vê aquilo sem acreditar, sem respirar. O momento parecia suspenso. O carro numero “6” completa a ultrapassagem no último milímetro da pequena reta. Não tem como sustentar a posição. Não tem espaço para contornar a curva de maneira correta. O carro preto certamente vai tomar a posição novamente. Só que desta vez é diferente...
No walkman, Freddie Mercury canta com sua voz inconfundível... “It’s a kind of magic, magic... MAGIC “... O carro de bico azul e numero “6” retarda a freada até o limite do suportável, pra lá do “Deus me livre” e com um golpe no volante e extremo controle do carro ele desliza. Derrapa nas quatro rodas. Milímetros à frente do carro preto, que freia e se recolhe, humildemente...


“ -It’s a king of magic”. - Pensa Mika.
“-Oh! Meu Deus...” – Pensa Senna. ”-Sifú! Te peguei, ri agora!”. – Grita de dentro carro Nelson Piquet. Um silencio monstruoso no autódromo, coisa rara. Só se ouve os motores dos carros.
Tudo parecia nem existir, só a imagem dos dois carros no fim da reta. “-It’s a kind of magic...” Continua cantando Freddie Mercury. Mika se levanta e vai rumo à saída do autódromo. Já não importa quem vai ganhar a corrida. Seja qual for o resultado ao fim das 76 voltas, o grande vencedor daquela tarde foi o piloto do carro amarelo de bico azul e com um numero “6”. Foi uma espécie de magia...
E já está no ar a edição sobre a palhaçada vermelha na Alemanha da Rádio On board. Felipe Maciel, Fábio Campos e eu discutimos um bocado.E neste sábado tem RoB ao vivo, as oito da noite neste link: Time vermelho pilantra.

Comentários

Anderson disse…
Grande ron

Neste testo eu peguei a pensar: Certamente vc adquiriu essa paixão por f1 nos tempos dourados, admirando a valentia dos pilotos.
Ai te pergunto, se vc comessasse a a acompanhar a f1 nestes tempos teatrais de hj, será que vc se cativaria como antes por este esporte?

abs
Net Esportes disse…
paixão é pouco meu caro Groo, foi de arrepiar aqui. No entando devo confessar que nunca gostei muito do Piquet como pessoa, apesar de inegavelmente ele ter sido sem dúvida um grande piloto ....
Marcelonso disse…
Groo,

Lembro muito bem dessa corrida,na primeira tentativa Nélson não conseguiu,armou o bote para a outra volta e lá se foi no fim da reta,com o carro atravessado como se fosse um kart!Conta a lenda que ainda teve tempo de levantar o dedo médio para Ayrton...

Jackie Stewart definiria mais tarde de forma sublime:
"Essa ultrapassagem,foi como fazer um looping com um Boeing"

É meu chapa,nessa época era bonito ver as corridas,e não era porque tinha só brasileiro na ponta,era uma época que a F1 tinha pilotos com personalidade e não "bananas" de capacete.


abraço
Trindade disse…
Groo, valeu novamente por visitar meu blog e comenatar.
Você e sua iamginação fértil!!! rs "Não é tão técnico e bem fotografado", dessa eu ri muito.
Mas eu pensei em fazer o GP da Hungria de 1986, mas acabou que fiz o de 1987, teve bom rs. E ficou leagl o seu... Até Groo!
Fernando Kesnault disse…
A melhor ultrapassagem até hoje no automobilismo, com certeza...
Daniel Machado disse…
Bem que você disse que postaria aqui de novo o conto em, e valeu a pena e vale mesmo. Com certeza, a ultrapassagem mais bonita da história da Fórmula 1 e um dos poucos momentos de algo demais na Hungria.
Abraço
Marcos Antonio disse…
acho que é um dos melhores textos sobre automobilismo groo, sempre quando vc repostar ele, vou fazer questão de ler!
Daniel Machado disse…
Ouvi a rádio e gostei muito viu. Parabéns mesmo. Ahh depois deixe seu favorito para vencer amanha la no meu blog abraço!
Anônimo disse…
....e M.C. voltaaaando, manda: Piquet era melhor que Senna. A ultrapassagem diz tudo. Um GP chatérrimo, onde, o único lugar para uma boa ultrapassagem era a reta. O carro de Senna era pior do que o do Piquet em todos os circuitos menos em Hungahorroring, apesar do potente Renaultzão da Lotus. Por quê ? A característica do circuito. Lento com um baita retão. Na época, o insuperável Honda da Williams( que 20 anos depois, as duas só ficam de onda... triste, reconheço... triplamente triste : o motor( Na Indy ! Tadinho...), a equipe e a minha piadinha...). Senna pensou e falou pro amigo: " Saio na frente e niguém, NIGUÉM, mi pega ! Meu "! Gagalvão apoiou ! Só que tinha o chato do vascaíno e carioca Piquet. Comedor de gostosas( Piquezinho é bonitão advinhem a causa ? HA ! A morenaça holandesa que é a mãe dele. Agora um senhora...), malandrão que morava num iate chamado " Gostosa " em Mônaco eeee treinado nas pista dos Alto da Boa Vista que, na subida, com seu fusquinha, tomava coro de todo mundo mas na descida... voltando prá Tijuca... passava todo mundo ! E dá-lhe de derrapada prum lado, derrapada pro outro... assim mesmo como em Hungahorroring...Fusquinha e um F1, hummm, comparação estranha mas muitos morreram no Ato. Em Hunga.. Senna pensou que iria segurar na parte toda lenta do circuito e, na reta, a força do Renaultzão seguraria as coisas. Dançou. Ali foi o único momento em que as forças piquedistas e sennistas viram os ídolos de igual para igual. Depois, em 1987, a estrela de Piquet começou a se apagar e a de Senna a brilhar forte. Tem outra do Piquet genial. Foi a ultapassagem usando hipnose em cima do Leão...zinho Mansell. Miau pro inglês. Até gagalvão gostou ! Chegou a gaguejar pois não entendia como Piquet fez aquilo com o leãozinho. Monza, 198... Não me lembro ! Tô ficando gagá !